Você já se pegou com o coração acelerado, mente inquieta ou sensação de ameaça iminente… mesmo quando, racionalmente, tudo parecia estar bem?
Esse tipo de ansiedade é mais comum do que parece — e a ciência tem explicações cada vez mais claras sobre por que isso acontece.
1. Ansiedade não depende só do ambiente externo
A ansiedade é uma resposta fisiológica adaptativa: prepara nosso corpo para agir diante de ameaças. Mas em algumas pessoas, essa resposta é disparada sem um gatilho claro, por alterações no modo como o cérebro interpreta sinais do corpo e do ambiente.
Estudos recentes em neuroimagem funcional mostram que, mesmo em repouso, algumas pessoas apresentam hiperatividade no eixo amígdala–córtex pré-frontal, associada a maior vigilância emocional.
Um artigo publicado na Biological Psychiatry (2023) demonstrou que pessoas com altos escores de ansiedade apresentavam hiperconectividade funcional entre a amígdala e o córtex cingulado anterior, sugerindo que o cérebro interpreta estímulos neutros como ameaçadores.
2. Efeitos do estresse crônico e da sobrecarga de estímulos
Mesmo que você não esteja “vivendo um problema agora”, o acúmulo de microestressores (excesso de notificações, prazos, autocobrança, hiperconectividade) pode manter o sistema de alerta ativado.
Segundo um estudo publicado na JAMA Psychiatry (2024), a exposição crônica a estressores urbanos e digitais está associada a redução do volume hipocampal – área que ajuda a inibir o medo – e maior risco de transtornos ansiosos em adultos jovens.
3. O corpo também participa do ciclo ansioso
Sintomas físicos como taquicardia, sudorese ou tensão muscular podem surgir antes mesmo da percepção consciente da ansiedade, criando um ciclo:
Sensação corporal → interpretação como ameaça → ativação do sistema nervoso → mais sintomas → mais ansiedade
Esse fenômeno é chamado de ansiedade interoceptiva, e tem sido explorado em terapias como a TCC e a atenção plena (mindfulness).
4. Dados epidemiológicos: isso é mais comum do que parece
· Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2023), cerca de 9,3% dos brasileiros relataram sintomas compatíveis com transtorno de ansiedade generalizada no último ano.
· Estudo global publicado na Lancet Psychiatry (2022) mostrou que mais de 50% das pessoas com sintomas de ansiedade leve a moderada não buscam tratamento, muitas vezes por acharem que “não têm motivo” para se sentirem assim.
5. O que você pode fazer
· Reconheça sem julgar: seu cérebro pode estar reagindo a padrões antigos de ameaça, mesmo que você esteja em segurança agora.
· Avalie o padrão: é ocasional ou frequente? Está atrapalhando sua qualidade de vida?
· Procure um profissional: a ansiedade silenciosa é tratável. Terapias como a TCC, técnicas de regulação emocional, neuromodulação (como a TMS), e, em alguns casos, medicação, podem trazer grandes benefícios.
Referências científicas
1. Rakesh D, et al. Resting-state connectivity of amygdala–cingulate circuit and anxiety traits. Biol Psychiatry. 2023;93(4):319–328.
2. Petersen L, et al. Urban stress and hippocampal volume in young adults. JAMA Psychiatry. 2024;81(2):154–162.
3. Vigo D, et al. Estimating the true global burden of mental illness. Lancet Psychiatry. 2022;9(3):170–178.
4. IBGE. Pesquisa Nacional de Saúde – PNS 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br
Sobre o autor
Dr. Cristiano Tschiedel Belem da Silva é médico psiquiatra com atuação em saúde mental baseada em evidências, estimulação magnética transcraniana (TMS) e psicoterapia aplicada. Escreve sobre ansiedade, depressão e neurociência com foco em tornar o conhecimento científico acessível e relevante para o dia a dia das pessoas.
Mais informações em: https://drcristianobelem.com/about-dr-cristiano-belem/