“Chasing”, impulsividade e apostas online: o que a ciência já sabe e o que a CPI das Bets está investigando

 

Nos últimos meses, o Brasil tem vivenciado uma explosão de discussões sobre apostas esportivas — as chamadas bets. No centro das atenções está a CPI das Bets, que investiga irregularidades em plataformas de apostas online e o papel de influenciadores e celebridades na promoção desse tipo de serviço.

A ciência já tem respostas importantes — e elas apontam para um problema mais profundo do que apenas “gostar de apostar”.

 

O que é o “loss-chasing” e por que ele é perigoso?

 

Segundo uma revisão sistemática publicada em 2023 na revista Neuroscience & Biobehavioral Reviews, um dos comportamentos centrais nos transtornos relacionados ao jogo patológico é o chamado loss-chasing — o impulso de continuar apostando para tentar recuperar perdas anteriores.

Esse comportamento pode se manifestar de duas formas:

  • Entre sessões: quando a pessoa volta a jogar em outro dia para tentar reaver o dinheiro perdido;
  • Dentro da mesma sessão: quando ela aumenta o valor das apostas ou acelera o ritmo do jogo durante a mesma ocasião, mesmo em prejuízo.

Esse padrão é altamente prevalente entre os chamados “jogadores-problema” — pessoas que não têm um diagnóstico formal, mas já apresentam comportamentos de risco.

 

O que acontece no cérebro de quem aposta?

 

Um segundo estudo publicado em 2023 mostra que pessoas com transtorno do jogo apresentam alterações em áreas cerebrais ligadas à recompensa e à tomada de decisões, como o córtex pré-frontal e o sistema dopaminérgico.

Esses indivíduos tendem a:

  • Tomar decisões impulsivas com baixa avaliação de risco;
  • Persistir em estratégias perdedoras na tentativa de compensar prejuízos (chasing);
  • Aprender de forma enviesada com vitórias iniciais — criando uma falsa expectativa de controle.
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Traders compulsivos: o “chasing” na Bolsa de Valores

 

O comportamento de trading compulsivo também tem sido reconhecido como uma forma de jogo problemático. Muitos day traders — especialmente iniciantes ou operadores de criptoativos — apresentam o mesmo padrão de chasing visto em jogos de azar.

Um estudo da FGV revelou que 99% dos day traders no Brasil têm prejuízo, mas persistem nas operações — muitas vezes aumentando os riscos após perdas, em busca de recuperação.

Esses comportamentos estão associados a:

  • Impulsividade;
  • Ilusão de controle;
  • Comprometimento emocional e financeiro significativo.
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O cenário brasileiro: dados alarmantes

 

De acordo com um levantamento divulgado em 2024, cerca de 1,4 milhão de brasileiros já apresentam transtorno do jogo, o que equivale a 4,4% dos apostadores.

Outros dados importantes:

  • 66,8% dos usuários de plataformas de apostas online apresentam perfil de risco;
  • Adolescentes têm maior vulnerabilidade: 55,2% dos que apostam apresentam risco;
  • Mais da metade dos apostadores com renda de até um salário mínimo já mostram sinais de dependência.

 

A CPI das Bets e a publicidade de apostas por influenciadores

 

Em 2024, a Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas (CPI das Bets) foi instaurada para investigar irregularidades envolvendo plataformas de apostas online — incluindo suspeitas de fraude, omissão fiscal e ausência de regulamentação no Brasil.

Entre os temas debatidos, destaca-se o papel de influenciadores digitais e celebridades na divulgação dessas plataformas. Um exemplo que ganhou ampla repercussão foi o da influenciadora Virgínia Fonseca, que apareceu promovendo uma plataforma de apostas nas redes sociais, fato citado em sessões da CPI e amplamente discutido na mídia. Esse e outros casos levantaram preocupações sobre o alcance e o impacto dessas campanhas promocionais, especialmente entre adolescentes e jovens adultos.

Pesquisas recentes apontam que a exposição a publicidade de jogos de azar está associada a um aumento na frequência de apostas, no loss-chasing e em comportamentos de risco — fenômenos ainda mais críticos no contexto de plataformas digitais, que funcionam 24 horas por dia, com interface acelerada e reforço intermitente.

Com base nessas evidências, a CPI discute a necessidade de:

  • Estabelecer limites para a publicidade de apostas nas redes sociais;
  • Exigir transparência e avisos sobre riscos de dependência;
  • Revisar a responsabilidade legal de influenciadores e empresas de marketing;
  • Implementar políticas de prevenção e educação midiática para o público jovem.

O caso reforça a importância de um olhar crítico sobre o cruzamento entre entretenimento, saúde mental e publicidade digital — e da urgência de um marco regulatório que proteja o consumidor sem demonizar a tecnologia.

 

O que fazer?

 

  • Educação baseada em evidência: profissionais de saúde, escolas e famílias devem estar atentos aos sinais de alerta;
  • Regulação adequada: o Brasil precisa de regras claras sobre a publicidade de jogos de aposta e plataformas de trading especulativo;
  • Triagem clínica e acolhimento: psiquiatras e psicólogos devem considerar perguntas sobre apostas, criptomoedas e day trade em suas entrevistas clínicas;
  • Informação acessível: Veja também: 7 sinais de que você pode estar desenvolvendo um vício em apostas.

 

Cristiano Tschiedel Belem da Silva é médico psiquiatra, com doutorado na área dos transtornos de ansiedade e atuação em neuromodulação. Escreve sobre neurociência aplicada, depressão, ansiedade e psicoeducação com base nas evidências mais recentes.

 

Referências